Uma notícia, mil sensações

De súbito sou surpreendida por um arrepio medonho no meu corpo. Tento assimilar a notícia. Reflito, mas não consigo pensar. Dói-me a alma escutar a repetição do locutor no rádio falando, uma, duas, três vezes que foram trinta.

Tudo que já vivi nessa vida me toma de assalto, sou surpreendida por memórias de momentos em que fui abordada por assovios e cantadas nas ruas que passei, os medos que tive por andar sozinha na rua depois das 21h, as ideologias escrotas que tive que ouvir, silêncios que tive que fazer, sensações de impotência que me vi em diversas situações, limitações que me foram impostas, forças além do necessário ao segurarem-me pelo braço. Tudo isso me vem à cabeça enquanto ouço: – 16 anos.

Vestígios de um mundo machista, até pelas mulheres, sobressaem e tornam-se gritantes aos olhos meus. Lembro-me de bordões machistas eternizados na sociedade brasileira, músicas que desvalorizam a mulher, programas de televisão que transformam a imagem de uma mulher em lixo, agressões físicas a mulheres em palco de programas de horário nobre na tv brasileira, intolerância, falta de respeito… E o locutor fala: – Drogada e desacordada.

Sinto-me mal, não quero mais ouvir a notícia. Não quero mais viver nesse mundo, não quero saber e ouvir as desculpas que irão dar nos telejornais para a barbaridade. Não quero ouvir o que dirão sobre a menina, não quero mais disso. Sinto que preciso de um fio de realidade para acreditar que isso aconteceu. Poderia ser eu! Poderia ser você, poderia ser nós.

Poderia tudo, mas não poderia existir no mundo pessoas que fizeram isso. Não poderia existir no mundo homens que acreditam que mulher é o que eles querem, que devam fazer o que eles querem, na hora e aonde eles querem. Não deveria existir no mundo pensamentos que desrespeitem o ser humano, que abusem de força sobre o outro por não saber aceitar um NÃO.

Não tenho capacidade para concluir esse texto da forma que gostaria. Isso que aconteceu não está numa esfera normal que seja fácil assim falar sobre. Em todos os momentos que me lembro, sou tomada por um misto de sensações, melancolias, revoltas, tristezas que não me permitem escrever sobre. O que se sente dificilmente é traduzido em palavras.

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